quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O monstro debaixo da cama

 

Faltava poucos meses para completar um ano sem vê-lo, um ano longe da sua influência, da sua capacidade de trazer o meu pior a tona. Eu finalmente poderia me virar para algum amigo e dizer que superei, que estou bem, que não sou mais assombrada pela a voz dele durante a longa madrugada. E tudo isso seria uma grande mentira. Mal me reconheço quando me olho no espelho, não confio em mais ninguém, não sei mais andar desarmada pelas ruas. Eu não gosto de quem sou agora. Não me agrada ser vazia, carente de sentimentos até mesmo com as pessoas de quem me importo. Fiz de mim mesma alguém incapaz de demonstrar qualquer afeto, incapaz de sofrer, incapaz de chorar. Aprendi a segurar minhas emoções, a guardar todas as magoas para mim, a achar graça da minha própria desgraça. Eu tinha a esperança de fazer das minhas lembranças uma arma contra o mundo, um lembrete da minha decepção. Eu acreditei que parando de me importar eu iria começar a esquecer tudo de ruim que me aconteceu. O problema é que o passado sempre volta. Não adianta mudar de casa, de cidade, de amigos, de personalidade. O passado sempre está a nossa procura e é inevitável engana-lo durante o percusso. Ele não precisa fazer esforços nenhum para te encontrar. Ele simplesmente vem. E de um jeito ou de outro, no fundo, sabemos que esse dia vai chegar.
Ontem, eu o vi. De relance, por míseros segundos, um olhar mal visto, mas o vi. Virei minha cabeça para o lado contrario tão rápido que fiquei tonta, abafei um grito tão desesperado que minha garganta ardeu e meu peito recebeu um baque tão estrondoso que por um momento ficou morto. Por que doeu? Por que olhar para ele doeu? Era como se todo aquele sofrimento tivesse voltado a vida, todos os sentimentos que trancafiei tivessem conseguido se soltar, a pessoa forte que me tornei tivesse se transformado em fraca. Eu fiz das minhas lembranças pesadelos na esperança de que elas fossem nada além de monstros imaginários debaixo da cama. Mas quando o vi, me toquei de que tudo era real. Ele era real. Ele tornara-se uma parte de mim, a pior de todas, do qual eu nunca poderia viver sem. Ele era o mal que existia em mim. Quieto, parado, inofensivo, imortal. Nada além de um monstro debaixo da minha cama que se tornara real.

Por Ridrya Carolin