terça-feira, 21 de julho de 2015

Amor-Infinito


As ruas da cidade estavam agitadas. O barulho das buzinas dos carros, o show de luzes em volta, o vai e vem das pessoas saindo do trabalho e indo para casa. Era o fim de tarde de uma segunda-feira do mês de julho. A semana mal começara e o cansaço da rotina pesada já tinha caído sobre mim como uma tempestade que inunda um armazém de teto desgastado. Eu andava no meio da multidão na calçada da esquerda com as mãos no bolso do casaco, lutando contra a rajada de vento frio que vinha de encontro a meu rosto. Não tinha planos de sair, na verdade, ainda não tinha nem pensando no que jantar. Talvez comprasse algo no McDonald's antes de chegar no apartamento, talvez fizesse apenas um Cup Noodels enquanto acompanhava a novela. 
De fato, eu estava tão distraída e com os pensamentos tão distantes, que mal ouvi quando alguém me chamou.
- Ei, mocinha! - gritou um senhor idoso, dono da pequena banca de flores na calçada onde eu estava. Eu parei de repente e o encarei, surpresa. - Agrada-lhe essa flor? - ele perguntou, simplesmente, com uma pequena flor lilás na mão.
- Amor-perfeito? - eu supus, dando os ombros. 
- Sim! Sim! Gosta de flores?
- Não entendo muito, mas gosto. 
Aproximei-me da banca para dar melhor passagem as pessoas que me driblavam no meio do caminho com pressa. 
- Já que gosta, me diga o que acha dessa flor?
Ele se abaixou e retirou de uma caixa escondida debaixo de várias outras um arranjo de flores amarradas a uma fita. Mas não eram flores comuns. Seu formato era um tanto semelhante as tulipas, porém as cores variavam em infinitos tons numa mesma pétala. Nunca tinha visto nada igual antes, nem nas revistas ou na televisão. As delicadas pétalas pareciam ter sido banhadas num arco-íris, eram cintilantes e únicas. Olhando mais perto, pareciam abrigar um outro universo. Eu podia jurar que a galáxia estava estampada nas flores, brilhantes e misteriosas como as estrelas. 
- São lindas. - eu disse, encantada, sem desviar os olhos. - São tulipas?
- Oh, não! - o velho deu uma risada bondosa e olhou para as flores, acariciando as pétalas com total cuidado. - Essas flores são raras. Seu nome é Amor-Infinito. 
- Nunca ouvir falar. 
- Acredite, são extremamente raras, minha jovem. Diga-me, você acredita no amor infinito?
Eu me surpreendi com a pergunta.
- Não sei. - respondi, incerta. 
Nunca tinha parado para pensar nisso.
- Ora, vejamos. Quem é a pessoa que você mais ama no mundo inteiro?
De novo, eu me surpreendi. Aquele velho era, de fato, esquisito. E fazia perguntas mais esquisitas ainda. Eu tão pouco me importava com romances ou com os clichês sobre o amor. Nem sabia dizer se era possível amar alguém durante a vida inteira, quem dirá além da vida. No entanto, a pergunta me intrigou. O infinito era algo tão grande, misterioso e definitivo. Comecei a pensar nos mitos sobre o ''felizes para sempre'', no poder do ''amor verdadeiro'', na tal história sobre Alma Gêmeas. Será que todos nós temos mesmo alguém mundo a fora que de repente irá surgir em nossas vidas para completar aquele pedaço que falta? Para nos amar incondicionalmente? Amor esse tão forte, que atravessa vidas e engana a morte? E se temos mesmo uma Alma Gêmeas, ela já apareceu? Ela ainda irá chegar? Como saber quem é? E se for, o amor infinito é uma espécie diferente de amor? Amor é amor. Mesmo que seja entre aparentes, amigos ou amantes. Nenhum amor se mede ou se rotula. Creio eu que amar é algo tão simples que se torna extremamente complicado. Ás vezes podemos amar tanto sem nem ao menos notar o quanto amamos. Talvez o amor infinito seja esse amor tão tranquilo e comum, tão presente no dia dia, tão duradouro e bondoso, que nos toca todos os dias sem causar um impacto forte e arrasador como esperamos que seja durante a vida inteira. 
Entre tantas pessoas que já estiveram e ainda estavam presentes na minha vida, eu buscava por aquela que eu mais amava. Buscava por aquela que eu mais sentia falta, que eu não conseguia viver sem. A pessoa que se fazia presente na ausência, que era facilmente lembrada nas coisas mais simples, que era um sorriso de um doloroso choro e o sol de um dia nublado. A pessoa que eu mais amava talvez fosse a pessoa que mais me amasse. Era com quem eu compartilhava uma relação de amizade, de amor reciproco, puro e sincero, que ama por inteiro, cada insignificante e difícil pedaço. Se trata do amor que cuida mesmo distante, do amor que dura mesmo com o passar do tempo, do amor que vira tristeza só pra fazer companhia a tua dor, do amor que vira alegria pra te fazer feliz. A pessoa que eu mais amava talvez fosse aquela que em nada me completasse, e sim me complementasse.
Talvez o amor infinito seja um beijo antes de dormi, uma companhia no café da manhã, uma brincadeira sem graça, um passeio numa praça. Talvez seja algo tão necessário, que tão pouco é notado. Talvez seja dois corações que se reconhecem, se encaixam como um quebra-cabeça, se atraem como um imã. Talvez seja um abraço apertado, um colo pra chorar, um lugar seguro para fugir. Talvez seja horas desperdiçadas em conversas jogadas fora, uma amizade de anos, uma discussão de minutos. Talvez seja mais audível que o som da palavra ao se declarar e mais visível que um olhar penetrante.  
O amor infinito talvez seja tudo que ouvimos falar e nada daquilo que imaginamos.
Eu dei um pequeno sorriso. Depois de recapitular uma vida inteira, o amor da minha vida me vinha na cabeça em todas as lembranças. Sempre estava ali no cantinho, ás vezes escondida e calada, ás vezes num dia normal e chato, as vezes num dia agitado e inusitado, mas sempre estava ali de algum jeito. Ocorreu-me que alguns amores talvez fossem tão bonitos e tão verdadeiros, que se tornavam infinitos. Estavam além da compreensão lógica, além das superstições divinas. Estavam num passar de uma vida inteira e continuava ainda tão vivo e ardente mesmo depois da morte. Alguns amores são simplesmente infinitos. E alguns infinitos são simplesmente eternos. 
Olhei para o velho, que aguardava minha resposta com uma aparente ansiedade. 
- Minha mãe. - eu respondi, sentindo-me leve. - É a pessoa que eu mais amo no mundo inteiro.
O velho sorriu e disse:
- Então, ela é seu amor infinito! 
Eu assenti, tão certa quanto a luz da lua acima de minha cabeça.
- Leve as flores para ela, mocinha. - ele colocou o arranjo de flores em minha mão. - Os amores infinitos deveriam saber que são infinitos, não é mesmo?
Segurei com cuidado as flores e pus a mão dentro da bolsa para tirar a carteira, mas antes de conseguir pegá-la, o velho disse:
- Oh, não, por favor! É de graça. Amores-Infinitos são raros de se encontrar. Não estão a venda, pois não tem preço. 
Eu agradeci de todo o coração e segui meu caminho, levando em mãos o arranjo de flores mais belos que já existiu na terra. Enquanto olhava para o Amor-Infinito, eu sentia que, de fato, eu carregava em minhas mãos e em meu coração o infinito. 

Por Ridrya Carolin