quarta-feira, 25 de junho de 2014

O suficiente

 

Eu queria ser forte
o suficiente 
para não cair
quando mais um buraco se abrir

Se eu tivesse controle 
o suficiente
não me renderia a mais um sorriso
que futuramente 
será mais um caso esquecido

Se eu pudesse prever
qual pétala fará a flor morrer
não veria nos olhos da pessoa errada
brilho suficiente para sustentar o dia
sem sol, sem nuvens
sem sombras que escondem a agonia

Eu poderia ignorar
Parar de fantasiar 
que nele existe esperança 
o suficiente 
para quebrar minha maldição 
para olhar nos meus olhos 
e ver as cores da salvação 

Eu poderia andar
em passos lentos 
sem deixar marcas 
sem seguir pegadas
Controlar e congelar o tempo

Se eu pudesse saber 
como não cair
por qual caminho não seguir
Não me apaixonaria 
pela ideia de amar
pela luta de olhar nos mesmos olhos 
e ver cores diferentes de salvação 

Se eu soubesse
não me apaixonaria 
pela procura do descanso da aurora 
em cada raiar do dia

Eu queria amar
o suficiente 
para acreditar 
que no fim de cada caminho 
não exista sempre um coração partido

Mas nos olhos de um desconhecido
eu vi uma única cor
mais forte que a da minha salvação 
que derrota meus medos 
me liberta da minha prisão

A cor que não existe em outros olhos 
que me torna dependente 
que tem luz própria e não se apaga 
que pela primeira vez
seria o suficiente. 

Por Ridrya Carolin

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Por que não eu?


Para a sua surpresa, ela não tinha batido a porta na cara dele e até o deixou entrar sem gritar os palavrões que já tinha na ponta da língua. 
Ela também não parecia surpresa por vê-lo parado ali na sua porta a essa hora da noite. 
Apesar da implicância desnecessária, os dois tinham um entendimento. Amavam se detestar, se provocar, se desafiar.
Os olhos castanhos dela estavam enevoados como sempre, mas, ainda sim, traziam consigo aquela ironia de todos os dias. Ela deu um meio sorriso e abaixou a cabeça, colocando uma mecha do cabelo para trás da orelha. Ele não entendia porque ela tinha tanta vergonha de sorrir para ele. Quando ela finalmente estava conseguindo se mostrar de verdade, alguma coisa a puxava de volta e a velha rabugenta das aulas de Direito Empresarial voltava a tona.
A certeza de que um dia ela não iria mais conseguir se segurar quando estivesse perto dele lhe dava a paciência que ele precisava para continuar tentando até ganhá-la pelo cansaço. 
E aquela situação desagradável o divertia. 
Quanto mais ele insistia nela, menos ela conseguia fugir. 
- Você não tem nada melhor para fazer num sábado a noite? - ela perguntou, levantando as sobrancelhas e restaurando a semblante sarcástico que era sua marca registrada.
- Perturbar você toma todo meu tempo. 
Ele entrou na sala em que já estivera tantas vezes, mas não porque já tinha sido convidado. Todas as vezes que atravessara aquela porta era apenas para trazê-la para casa depois de alguma festa e nunca ficava tempo suficiente para olhar em volta. 
As fotos na estante chamaram sua atenção. Eram fotos de encontros familiares, reunião com os amigos no quintal da casa de algum deles, viagens de carro pelo sul do país e momentos engraçados em que ela se permitia ser engraçada. 
Ele sorriu, sentindo inveja das pessoas que faziam parte da vida dela. Eles a tinham e ela os amava. 
Uma pergunta inconveniente surgiu em seus pensamentos: ele queria saber se um dia teria espaço para ele naquela estante, naquela vida tão boa e naquele coração tão difícil. 
Mas, infelizmente, isso não dependia dele. 
Só ela tinha a resposta. 
Piscando os olhos depressa, ele acordou de seus devaneios e voltou para o presente. Ela estava o observando em silêncio, como se não existisse mais nada que pudesse agradar seus olhos. E talvez fosse verdade, ele queria que fosse. Então lhe ocorreu que, pela primeira vez, desde que a conhecera em uma das cervejadas da faculdade, eles estavam a sós.
Envergonhada, ela puxava assunto sobre qualquer coisa que lhe vinha na cabeça. Tudo menos aquele silêncio desagradável. 
- Vamos ver o que você tem aqui. - ele disse, mexendo na prateleira de CDs - Beatles, Ed Sheeran, Legião Urbana e claro, Taylor Swift. - ele revirou os olhos brincando e ela riu - Nossa! Você é mesmo fã do Kid Abelha, não é?
Ele pegou o disco de vinil Educação Sentimental de 1985. Tinha uma dedicatória escrita no canto e depois de ler, ele entendeu que o disco havia sido presente do pai dela. E, pelo modo em que estava guardado, era de extremo valor para ela.  
- Desde sempre. - ela deu os ombros - Cresci ouvindo as músicas com meu pai. Me identifico com quase todas as letras. 
- Eu também. 
Os dois se olharam fixamente por alguns instantes. Um olhar rápido e cheio de significado.
Ela não estava preparada para aquilo. Nunca conhecera nenhum cara que gostasse das mesmas músicas que ela, muito menos de Kid Abelha. Ela tentava em vão encontrar mais e mais motivos que não a fizessem gostar dele, mas quanto mais procurava defeitos mais encontrava qualidades. O que havia de errado com ela? Se tinha alguém que conseguia desvendar os defeitos dos outros com apenas uma rápida olhada, era ela. Ela não se iludia. Ela não esperava nada de ninguém. Ela dava prioridade para o que existia de pior em cada um, mas com ele esse método não funcionava. 
- Essa música...- ele começou a falar enquanto colocava o CD no aparelho de som - descreve nós dois. Pelo menos é o que eu acho. - ele acrescentou a última parte de forma rápida, envergonhado por seu pensamento ter escapado pela boca tão impulsivamente. Olhou para o chão e sorriu. 
Logo no primeiro segundo, no instante em que a música adentrou os seus ouvidos, ela soube qual era. ''Por que não eu?'' na versão acústica. Os dois se encararam com uma intensidade tão grande que era impossível desviar o olhar ou disfarçar a sensação maravilhosa e assustadora que surgiu de repente. 
Ele estendeu a mão para ela com um sorrisinho convencido no rosto. 
- Ah, não. Não mesmo. - ela protestou, dando passos para trás. - Eu não sei dançar.
- Não tem problema.
- Você não está entendendo. Eu sou uma péssima dançarina. 
- Você é muito boba, isso sim. 
Com um movimento rápido e inesperado, ele a puxou pela cintura fazendo com que o vestido florido dela roçasse nas suas roupas. Sua mão foi de encontro com a dela, se encaixando perfeitamente. A faísca que surgiu daquele leve toque a fez sentir calafrios na barriga. Ele transmitia a segurança que ela precisava pela firmeza em que prendia a mão em seu corpo, como se jamais fosse soltá-la, não importando o quanto ela se debatesse contra.
Os olhos dele se encontraram com os dela, aumentando o grau de intimidade entre os dois. Tão profundos e impetuosos que ela sentia a necessidade de se afogar dentro deles pelo resto da vida. Estavam tão perto um do outro como jamais estiveram antes. Ela conseguia ver tudo que ele mostrava e escondida. Sentia-se nua, exposta, sem nada a esconder, sem ter como fingir. Era uma mistura gostosa de medo e prazer. Era a sensação incomum e assustadora de pertencer a alguém além de si mesma.
- Fecha os olhos - ele pediu, reparando o quão tensa ela estava. - Só escuta a música. Eu vou te guiar. 
Ela obedeceu sem hesitar. 
Os pés dele começaram a se mover e os dela foram acompanhando o ritmo. Quando ele sentiu mais confiança nos movimentos dela, foi tornando a dança cada vez mais sincronizada. Então, ele a rodopiou e a puxou rapidamente de volta para si, acabando com o espaço que os separavam. Ela voltou para ele sorrindo de orelha a orelha, o som da risada ecoando no ar. 
Ele não se lembrava de já tê-la visto sorrindo daquele jeito antes, tão espontânea e sincera. 
- Viu? Você tá dançando. 
Envergonhada, ela reprimiu o sorriso e descansou a cabeça no peito dele. Finalmente achara uma vantagem em ser tão baixinha. 
Com o coração acelerado, ele tocou os cabelos dela com a ponta de seu nariz sentindo o cheiro maravilhoso de uva que vinha deles. 
Enquanto dançavam tão distraidamente, sem nem ao menos notar que era a quarta vez que a música se repetia, ele passou os olhos ao redor da sala e observou a prateleira com mais de duzentos livros. Ela tinha de Orgulho e Preconceito a A culpa é das estrelas. 
- Como uma menina tão realista consegue ler tantos romances? - ele perguntou sendo sarcástico e ela não respondeu. - Você diz que não acredita no amor, mas escreve coisas lindas sobre ele. Não acha que isso prova o quão cínica você é?   
- Eu escrevo sobre como eu gostaria que as coisas fossem, não como elas são. 
- Não tem vontade de trazer suas palavras para realidade? 
- Não.
- Por que não? 
"Porque eu já quis, já tentei. Porque nunca deu certo e eu cansei de me magoar". Ela respondeu mentalmente, engolindo as palavras. 
- Porque escritores precisam sentir a dor para poder escrever sobre o amor.
- Eu acho que você precisa sentir o amor para poder entender a dor. Você não sente dor. - ele falou, olhando nos olhos intrigados dela. - Se sentisse, iria entender como eu me sinto todas as vezes em que você foge.
Logo ela, que sempre tinha argumentos na ponta da língua, não tinha o que dizer. Não sabia como se livrar daquela situação. 
E, pela primeira vez, ela não sabia como fugir dele e nem de si mesma. 
Com toda calma do mundo, ele acariciou o rosto dela e se aproximou. Colou os lábios em seu ouvido e sussurrou:
- Por que não eu?

Por Ridrya Carolin