sábado, 28 de fevereiro de 2015

Fácil demais


As vezes me deparo com o número de vezes em que fui rotulada e aceitei calada achando que o problema era exclusivamente eu. 
Falam por aí que sou uma moça quieta, fechada, parada num cantinho, isolada em seu mundinho. Falam que eu sou séria, que pareço enfurecida quase o tempo inteiro e quem não me conhece me acha antipática. Criticam o meu jeito reservado e me aconselham a sair mais de casa, dar uma volta na calçada, ver as coisas que acontecem na rua quando o céu escurece e o mundo acorda. Me falaram que tem pessoas lá fora que eu deveria conhecer, lugares que eu deveria ir, rostos diferentes para me maravilhar e luzes que ora se acedem para me esconder ora se apagam para me revelar. 
Falam que o amor nunca vai me encontrar. Eu assusto os caras com a minha conversa de meias palavras, com meus olhos escuros observando os detalhes de baixo a cima e com meu sorriso que de primeira nunca se mostra. Falam que eu não facilito uma entrada justa nos meus pensamentos, que não aceito convite de estranhos e que minha casa está há tempos trancada para visitantes. Tudo que diz respeito a mim é vago, meu nome é um assunto pouco comentado e minhas aparições são um mistério no meio da multidão. Eu sou um livro grosso traduzido em um idioma desconhecido. São poucos que tem disposição para me ler e raros os que tem capacidade de me entender. A maioria só me deixa jogada em cima da mesa ou nem ao menos me tira da prateleira.
Mas do meu silêncio vem a curiosidade daqueles me olham quando podem me ver. 
Eu ouvir por aí que os meninos não sabem o que dizer perto de mim. Quando eles tentam chegar no espaço que não deixei para ninguém reservado ficam tempo o suficiente para desistir. É mais fácil investir na menina de saia curta. Ela sim vai dar uma chance sem que eles precisem insistir numa aproximação mais genuína e íntima. 
Esse é o meu problema, eu recuso as investidas e ignoro os sinais que vêm fundo dos olhares cheios de segundas intenções. Falam por aí que eu sou boba, vivo fugindo das coisas, mantenho distância das outras pessoas. Falam que meu coração é gélido demais para qualquer emoção, é medroso demais para se aventurar, é amargo demais para deixar alguém entrar. Falam que eu sou difícil. Eu escolho demais ou, até pior, não escolho e nem procuro. Eu vivo só dos momentos que idealizo ou das palavras que escrevo enquanto vivo. 
Eu sou a tal da garota que banca a difícil. 
Mas o que eles não sabem é que eu banco a difícil porque, na verdade, sou fácil demais. Fácil de se ter, de se conquistar, de se apaixonar. Eu me encanto com pequenos gestos, eu valorizo os pequenos detalhes, eu sei decifrar teus olhares. Eu me preocupo com coisas simples, me importo com coisas inúteis, me machuco diretamente com tudo que te afaste de mim. Eu reparo em tudo que acontece, lembro de tudo que passamos juntos, guardo o formato do teu sorriso na cabeça para passar horas pensando nele enquanto ouço Clarice Falcão nos fones de ouvido. Eu tenho a necessidade de te cuidar, vontade interminável de te beijar, desejo extremo de morar no teu abraço. Eu não sei reprimir o que sinto, não sei ignorar tua presença, não sei recusar o teu chamado. Eu sou teimosa, quando quero algo eu insisto até conseguir mesmo que não valha a pena. Eu sou orgulhosa, mas relevo o que você me faz de mal porque no geral você me faz bem. Eu sou uma menina que quer cuidados e atenção; e eu sou uma mulher que quer respeito e consideração. Não sei me entregar pela metade, sou oito ou oitenta, brisa ou furacão, alvoreço ou escureço, seco ou chovo. 
Sou fácil demais de amar.
Esse é o segredo do meu coração que as vezes se entrega, as vezes se renega, mas quase sempre se esconde. 

Por Ridrya Carolin

sábado, 14 de fevereiro de 2015

A moça e a garotinha



Com as mãos trêmulas e lágrimas nos olhos, peguei o porta-retrato na estante a minha frente e encarei o rosto da garotinha que nele sorria. Ela parecia absurdamente feliz, leve, despreocupada e livre. Ela era livre de qualquer prisão, tortura e medo. 
''Eu quero ser você de novo'' supliquei, sendo levada pelo desespero da minha voz. 
Diferente das circunstâncias passadas, eu não queria a infância da garotinha. Eu queria ser a garotinha. Ela era corajosa, determinada e independente. Tudo que eu não sou mais. Ela podia até ter seus medos, mas não dava a eles força para prende-la dentro de casa. Ela não acatava ordens, não reprimia suas vontades, não se acomodava. Ela jamais esqueceria sua vida para viver outra, não se tornaria antagonista da sua própria história, não faria tanto sacrifício para algo que, no fundo, nem quer.
Eu me lembro do dia em que a garotinha terminou de ler Alice no país das Maravilhas. Ela ficou tão maravilhada com a história, com os personagens, com a escrita e a fantasia que cercava as palavra que decidiu que dali em diante leria cada vez mais livros na esperança de se sentir saciada de novo. E assim fez, até o dia em que só ler já não era o bastante. Ela queria suas histórias, imagens e pensamentos no papel. Ela queria ler suas palavras. 
A pobre garotinha estava enlouquecida. Queria escrever o tempo todo, em todo lugar, sobre qualquer assunto que viesse na cabeça. Então descobriu que queria ser escritora. Viveria para escrever. Não conseguia se imaginar fazendo outra coisa. 
Embora ela soubesse o que queria e tivesse certeza do que amava, quando o futuro chegou ninguém perguntou á ela o que de fato queria da vida. Deram-lhe apenas duas opções. ''Pronto. Escolha.'' foi o que ele disse. Mas não havia escolha a ser feita. Não havia nada além de limitações. 
A garotinha que antes tinha o mundo aos seus pés, passou a viver num mundo limitado. Um certo dia ela morreu e eu nasci. Ela desapareceu e eu surgi. Ela se transformou em mim: uma moça reprimida e sem vontade própria. Uma moça que se acovardou diante do medo e escondeu tudo que amava dentro de uma caixa debaixo da cama.
Se a garotinha pudesse ver a moça que hoje se tornou, sentira vergonha, raiva e pena.
''Essa não sou eu'' ela gritou para mim certa vez. ''Socorro! Roubaram minha vida''. 

Por Ridrya Carolin

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O meu eu de hoje



Já não me reprimo mais
Hoje
Quando quero dizer, eu digo
Quando quero ir, eu vou
Quando quero ouvir, eu ouço
Quando quero ser, eu sou
Quando não quero sofrer, eu luto
Quando não quero amar, não fujo
Já não me escondo mais
Hoje 
Quando amo, eu amo
Diante de tanto apego pelo desamor
E de tanto medo de ser só
Já não me condeno mais
Feio é quando amar, dizer não
É amar sem querer amar
Diante de tanto medo e devassidão
Feio é se reprimir
Feio é se esconder
Feio é se condenar
Feio é não amar.


Por Ridrya Carolin