sábado, 14 de fevereiro de 2015

A moça e a garotinha



Com as mãos trêmulas e lágrimas nos olhos, peguei o porta-retrato na estante a minha frente e encarei o rosto da garotinha que nele sorria. Ela parecia absurdamente feliz, leve, despreocupada e livre. Ela era livre de qualquer prisão, tortura e medo. 
''Eu quero ser você de novo'' supliquei, sendo levada pelo desespero da minha voz. 
Diferente das circunstâncias passadas, eu não queria a infância da garotinha. Eu queria ser a garotinha. Ela era corajosa, determinada e independente. Tudo que eu não sou mais. Ela podia até ter seus medos, mas não dava a eles força para prende-la dentro de casa. Ela não acatava ordens, não reprimia suas vontades, não se acomodava. Ela jamais esqueceria sua vida para viver outra, não se tornaria antagonista da sua própria história, não faria tanto sacrifício para algo que, no fundo, nem quer.
Eu me lembro do dia em que a garotinha terminou de ler Alice no país das Maravilhas. Ela ficou tão maravilhada com a história, com os personagens, com a escrita e a fantasia que cercava as palavra que decidiu que dali em diante leria cada vez mais livros na esperança de se sentir saciada de novo. E assim fez, até o dia em que só ler já não era o bastante. Ela queria suas histórias, imagens e pensamentos no papel. Ela queria ler suas palavras. 
A pobre garotinha estava enlouquecida. Queria escrever o tempo todo, em todo lugar, sobre qualquer assunto que viesse na cabeça. Então descobriu que queria ser escritora. Viveria para escrever. Não conseguia se imaginar fazendo outra coisa. 
Embora ela soubesse o que queria e tivesse certeza do que amava, quando o futuro chegou ninguém perguntou á ela o que de fato queria da vida. Deram-lhe apenas duas opções. ''Pronto. Escolha.'' foi o que ele disse. Mas não havia escolha a ser feita. Não havia nada além de limitações. 
A garotinha que antes tinha o mundo aos seus pés, passou a viver num mundo limitado. Um certo dia ela morreu e eu nasci. Ela desapareceu e eu surgi. Ela se transformou em mim: uma moça reprimida e sem vontade própria. Uma moça que se acovardou diante do medo e escondeu tudo que amava dentro de uma caixa debaixo da cama.
Se a garotinha pudesse ver a moça que hoje se tornou, sentira vergonha, raiva e pena.
''Essa não sou eu'' ela gritou para mim certa vez. ''Socorro! Roubaram minha vida''. 

Por Ridrya Carolin

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