segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

As outras


Não existe coisa que machuque mais do que ver a pessoa que você queria fazer feliz, sendo feliz com outras pessoas ou, pior, com uma certa pessoa em particular.
Sendo feliz? Não, se satisfazendo. Ser feliz é um pouco forte demais para um vácuo que só vai ser preenchido momentaneamente, de modo passageiro e fútil. Vai haver sempre essa sensação de desconforto, porque você se achava especial e no fim acabou sendo que nem tantas outras que passaram pela vida dele, que também se achavam especiais e acabaram assim, exatamente como eu estou agora: observando a sua vida por uma janela, escondida na sua sombra, estranhando a sua vida sem mim e me perguntando como, em um piscar de olhos, eu estava bem ali do seu lado e agora estou a uma janela de distância, invisível aos seus olhos e esquecida ao seu querer.
Você deitava no braço dele sem pestanejar? Adivinha, as outras também fazem isso. Ele te abraçava forte por horas? Ele também abraça as outras. Ele também mostra aquelas músicas para as outras, as músicas que um completava o outro quando um começava a cantar do nada. Ele também sorri para as outras. Ele tira foto com as outras. Ele se preenche com as outras. 
Você não era diferente, faz parte das outras. 
Não importa o quanto ele fez você sentir como se fosse especial, como se o carinho fosse único, como se só você fosse capaz de fazê-lo sorrir daquela maneira singular. Não era verdade. Nunca foi.
Sabe aquelas tardes de final de semana que ele passava com você? Ele começou a desmarcar para passar com as outras que apareciam do nada e de repente eram tão mais interessantes que você. E, então, ele foi ao cinema com as outras, sentou nas poltronas no fundo da sala, as mesmas que ele sentava com você, e ele segurou a mão delas, elas deitaram no ombro dele, eles dividiram um doce, a pipoca, o refrigerante, os beijos. Logo a sua casa era só uma casa para onde ele iria quando não tivesse nada marcado com as outras, porque você era algo que estaria disponível quando nenhuma delas estivesse.
Mas não é culpa dele ter esse "algo diferente", que chama atenção aonde quer que passe. Ele não pode evitar. Você não conseguiu evitar. Se nem você conseguiu, imagine as outras que são tão humanas quanto você.
Mas calma, não é culpa dele, é por causa das muitas amizades "verdadeiras" que ele tem, e você ainda é especial. Numa hora ele vai ver, certo?
Não! Não dá para ter calma. Porque você esteve ali quando não existiam as outras. Você esteve ali quando ele precisou, porque as outras estavam ocupadas demais, você tirou do seu tempo para dar tempo a ele. Foi com você que ele se acalmou, que ele descansou e que ele teve para onde voltar. Então, por que você não parece tão suficiente quanto as outras? 
Na verdade, por que existem as outras? 
Por que? Porque ele é tão mais inseguro que você. Ele precisa, ele tem a necessidade, de ter mais de uma por perto. Assim ele não fica dependente de apenas uma pessoa. Assim ele não se apega a nada e nem a ninguém. Assim ele não constrói lembranças sólidas. Assim ele não se envolve, não se prende, não se apaixona.
Enquanto isso, você fica quieta no seu canto, olhando da janela, afinal você não pode fazer nada. Não pode fazer "mais nada", porque tudo que estava ao seu alcance você já fez. Quem é que vai dizer o contrário? Quem é que vai negar que você era diferente, que você era tudo que ele não conseguia ver? 
Sabe, você poderia jogar mil coisa na cara dele, poderia dizer as verdades que ele ignora, poderia gritar os palavrões que estão entalados na sua garganta. Mas, não. Você não vai fazer nada. Não vai demonstrar nada. Não vai provar nada.
Afinal, quem tem que perceber que você não é como as outras, é ele.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O dia em que eu dispensei o amor


- Você não quer namorar?
Ana me perguntou num tom carregado de algo mais que apenas surpresa, talvez choque, espanto e, com certeza, estranheza. Ela continuou me olhando, piscando várias vezes e mais rápido que o normal e com a boca entreaberta como sempre faz quando algo a surpreende ao extremo.
- Você...V-O-C-Ê não quer namorar? - ela perguntou mais uma vez ainda sem acreditar. - Você sempre diz que está há vinte anos procurando um namorado e quando acha um, você não quer? 
Tudo bem. Essa parte dos "vinte anos" aí é uma brincadeirinha dramática, até porque eu tenho vinte anos e é biologicamente impossível que eu já quisesse encontrar o amor da minha vida muito antes de começar a vida, não é? Ou não, vai ver eu já era louca antes mesmo do meu cérebro está completamente formado. 
A questão é que a Ana tem razão. O que há de errado comigo? Eu sempre fui pra namorar, sempre quis ser de um cara só, sempre quis ter alguém. Sempre fui aquela que vê romance onde não tem, que idealiza o que é difícil de acontecer, que se acha capaz de transformar um cafajeste em príncipe. 
Eu sempre fui uma romântica incorrigível.  
Assumidíssima e nunca tive vergonha disso, nem mesmo nos tempos de hoje onde amor é quase uma utopia. 
Agora, olhando para cara da Ana, minha amiga da vida toda, eu tinha certeza de que ela estava pensando a mesma coisa que eu. Ela me olhava como se estivesse diante de uma louca, uma criatura bipolar, uma desconhecida ou pior, uma nova versão de mim de Áries ou Aquário. Mas, não, eu não era uma nova pessoa. Eu continuava a mesma, talvez um pouco mais cansada e desacreditada, mas ainda a mesma. Eu não tinha virado as costas para o amor, para o meu lado romântico. Eu não tinha dado a doida e me revoltado com o mundo. Nem estava planejando criar uma ditadura de mulheres onde os homens seriam escravos. Não. Eu estava de boa, em estado de dormência, no auge da minha preguiça. 
Foi, então, que eu entendi que o amor tinha saído de cena pra mim. 
Inesperadamente, sem pretensão nenhum, de modo natural eu tirei o foco do amor. Foi coisa de tempo para conseguir e mais tempo ainda para eu me tocar que, pela primeira vez, eu não queria o amor no momento. Até mesmo os livros que eu andava lendo ultimamente não eram romances, eu tinha trocado a Patricia Cabot e a Julia Quinn por Stephen King ou pelas aventuras do Percy Jackson. Eu estava acordando e dormindo sem pensar em ninguém. Estava indo as festas só para dançar e não para ver Fulaninho. Eu estava livre de pensamentos, livre de lembranças, livre de sentimentos. Eu estava cheia de indiferença e cheia de mim. 
Eu não queria o cafajeste e nem o príncipe. Não queria namoro e nem as ficadas casuais. Não queria mensagens e nem telefonemas. Eu não tinha e nem queria ninguém. 
Eu não queria nada. Queria apenas a mim, me pertencer, me namorar, me amar. Ficar sozinha comigo. 
Essa era eu, vazia de alguém e cheia apenas de mim. 
No momento, eu era assim. As portas fechadas e o coração vazio. E não porque alguém me magoou, não porque eu me revoltei, não porque eu quis mudar. Nada disso veio de alguém, nenhum terceiro interferiu, não havia responsáveis. Havia apenas a mim, veio de mim. Eu não estava com o coração partido, pelo contrário, meu coração estava tão inteiro que se tornara autônomo. 
Sabe, eu ainda quero o amor. Não consigo imaginar o dia que não vou querê-lo, mas no momento eu deixei o amor para outra hora. Não porque eu quis, planejei ou me obriguei, mas porque assim aconteceu. O foco mudou, a cena pausou, uma hora passou e a outra hora avançou. E eu nunca me sentir tão cheia estando vazia. Tão completa estando sozinha. Tão satisfeita apenas estando, apenas sendo, apenas indo. 
A Ana entendeu quando eu finalmente encontrei palavras para me explicar. Ela sempre me entendia. 
- Sabe o que a gente devia ir fazer agora? - ela perguntou, indo pegar as chaves do carro. - Passar no mercado e comprar uma Jurupinga.


Por Ridrya Carolin