terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O dia em que eu dispensei o amor


- Você não quer namorar?
Ana me perguntou num tom carregado de algo mais que apenas surpresa, talvez choque, espanto e, com certeza, estranheza. Ela continuou me olhando, piscando várias vezes e mais rápido que o normal e com a boca entreaberta como sempre faz quando algo a surpreende ao extremo.
- Você...V-O-C-Ê não quer namorar? - ela perguntou mais uma vez ainda sem acreditar. - Você sempre diz que está há vinte anos procurando um namorado e quando acha um, você não quer? 
Tudo bem. Essa parte dos "vinte anos" aí é uma brincadeirinha dramática, até porque eu tenho vinte anos e é biologicamente impossível que eu já quisesse encontrar o amor da minha vida muito antes de começar a vida, não é? Ou não, vai ver eu já era louca antes mesmo do meu cérebro está completamente formado. 
A questão é que a Ana tem razão. O que há de errado comigo? Eu sempre fui pra namorar, sempre quis ser de um cara só, sempre quis ter alguém. Sempre fui aquela que vê romance onde não tem, que idealiza o que é difícil de acontecer, que se acha capaz de transformar um cafajeste em príncipe. 
Eu sempre fui uma romântica incorrigível.  
Assumidíssima e nunca tive vergonha disso, nem mesmo nos tempos de hoje onde amor é quase uma utopia. 
Agora, olhando para cara da Ana, minha amiga da vida toda, eu tinha certeza de que ela estava pensando a mesma coisa que eu. Ela me olhava como se estivesse diante de uma louca, uma criatura bipolar, uma desconhecida ou pior, uma nova versão de mim de Áries ou Aquário. Mas, não, eu não era uma nova pessoa. Eu continuava a mesma, talvez um pouco mais cansada e desacreditada, mas ainda a mesma. Eu não tinha virado as costas para o amor, para o meu lado romântico. Eu não tinha dado a doida e me revoltado com o mundo. Nem estava planejando criar uma ditadura de mulheres onde os homens seriam escravos. Não. Eu estava de boa, em estado de dormência, no auge da minha preguiça. 
Foi, então, que eu entendi que o amor tinha saído de cena pra mim. 
Inesperadamente, sem pretensão nenhum, de modo natural eu tirei o foco do amor. Foi coisa de tempo para conseguir e mais tempo ainda para eu me tocar que, pela primeira vez, eu não queria o amor no momento. Até mesmo os livros que eu andava lendo ultimamente não eram romances, eu tinha trocado a Patricia Cabot e a Julia Quinn por Stephen King ou pelas aventuras do Percy Jackson. Eu estava acordando e dormindo sem pensar em ninguém. Estava indo as festas só para dançar e não para ver Fulaninho. Eu estava livre de pensamentos, livre de lembranças, livre de sentimentos. Eu estava cheia de indiferença e cheia de mim. 
Eu não queria o cafajeste e nem o príncipe. Não queria namoro e nem as ficadas casuais. Não queria mensagens e nem telefonemas. Eu não tinha e nem queria ninguém. 
Eu não queria nada. Queria apenas a mim, me pertencer, me namorar, me amar. Ficar sozinha comigo. 
Essa era eu, vazia de alguém e cheia apenas de mim. 
No momento, eu era assim. As portas fechadas e o coração vazio. E não porque alguém me magoou, não porque eu me revoltei, não porque eu quis mudar. Nada disso veio de alguém, nenhum terceiro interferiu, não havia responsáveis. Havia apenas a mim, veio de mim. Eu não estava com o coração partido, pelo contrário, meu coração estava tão inteiro que se tornara autônomo. 
Sabe, eu ainda quero o amor. Não consigo imaginar o dia que não vou querê-lo, mas no momento eu deixei o amor para outra hora. Não porque eu quis, planejei ou me obriguei, mas porque assim aconteceu. O foco mudou, a cena pausou, uma hora passou e a outra hora avançou. E eu nunca me sentir tão cheia estando vazia. Tão completa estando sozinha. Tão satisfeita apenas estando, apenas sendo, apenas indo. 
A Ana entendeu quando eu finalmente encontrei palavras para me explicar. Ela sempre me entendia. 
- Sabe o que a gente devia ir fazer agora? - ela perguntou, indo pegar as chaves do carro. - Passar no mercado e comprar uma Jurupinga.


Por Ridrya Carolin

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