quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Temporada de caça


Ontem eu ouvi o som do meu coração se quebrando. A rachadura foi se abrindo da maneira mais lenta, dolorosa e depois se partiu de vez num baque ensurdecedor. Quando o barulho se tornou inexistente, eu soube que mais uma temporada de caça tinha começado e não havia previsão para terminar. 
O prêmio seria do caçador que conseguisse matar o animal mais difícil de ser encontrado. 
A mudança repentina da estação me pegou de surpresa. Eu não estava esperando uma nova temporada de caça tão cedo. Não vi nenhum cartaz pelas ruas, nenhum anúncio no jornal, nenhuma propaganda no rádio. Eu apenas dormi de janela trancada e na manhã seguinte já estava correndo risco de vida. 
Ignorei os avisos de cuidado, descobri os esconderijos das chaves e atravessei a esquina, desarmada. Na última temporada de caça, um dos poucos que podiam me ver quase me matou numa só flechada. Mas eu fugi para longe, fiquei fora de alcance e ele errou a mira. Depois de tanto tempo, de quase ser pega, como eu ainda tinha coragem de caminhar ao lado do perigo? Qual era o sentindo daquela vontade doentia por atenção e pretensão? Os animais mais ferozes tendem a desafiar as circunstância. Não sei se é pela necessidade de provar algo para si mesmo ou se é uma forma estúpida de camuflar a vulnerabilidade. 
Vi seus olhos em mim certa vez, atentos e perfeccionistas. Não se intimidou pela minha aparência ávida, não desviou o olhar, não se distraiu com o que havia do outro lado. Eu fiquei me perguntado, o que você enxergava? Só mais uma garota sonhando acordada ou se via alguém andando nas pontas dos pés na beira do abismo?  Em silêncio, eu torcia para que você visse alguém tentando chegar ao outro lado da cordilheira. Alguém que cansou de fugir e agora queria ser encontrada o mais rápido possível. 
Quanto mais perto eu chegava, mais perto eu queria. Quanto mais eu ouvia, mais eu queria a voz ao pé do ouvido. Quanto mais eu via, mais eu gostava do que meus olhos registravam para mais tarde eu me lembrar de novo e de novo. Quanto mais eu andava, mais eu implorava para o abismo não está tão á frente. Quanto mais eu pensava no fim, mais ciente eu ficava de que nunca pôde haver um começo. 
Preciso tomar cuidado com a realidade. Ela anda se misturando com as fantasias da minha mente errante. 
Pensei ter ouvido você gritar meu nome no portão hoje cedo enquanto eu escrevia. Pensei que você tinha me visto dançar Beatles pela sala naquele pijama feio que uso todo dia. Pensei que você tinha entendido o segredo por de trás do meu sorriso quando sorri de volta pra você sem intenção.
Eu estou condenada a ficar parada no meio do nada em plena temporada de caça. Sentada no gramado, olhando para cima e esperando ser encontrada. Não estou preocupada com o perigo, não tenho medo da morte súbita. Hoje, eu só quero que a realidade não seja tragicamente real. Hoje, eu só quero que a realidade apenas seja. Seja o que tiver, seja o que aconteça. Quero que hoje, eu e você, a realidade, o medo, o perigo, a matança, o prêmio...apenas seja e, se possível, permaneça.

Por Ridrya Carolin   

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