sexta-feira, 27 de março de 2015

Amores de gaveta


Você chega em casa depois de mais um dia cansativo, entra no quarto e senta na beirada da cama. Fica ali naquela mesma posição por uns longos instantes, pensando em tantas coisas diferentes que não consegue se concentrar em apenas uma, observando o nada e os objetos em volta, escutando o grito das vozes que nunca se calam em meio a um silêncio aconchegante, encarando o vazio de frente. Tudo parece normal e desinteressante. É só a rotina, a monotonia e o tédio. São tantas coisas para fazer, livros para ler, episódios de seriados para atualizar, filmes novos em cartaz no cinema para ir com uma amiga, tantos assuntos chatos para estudar para as provas do mês que vem. Mas você não faz nada disso. Você simplesmente não faz nada há meses, nada além de ouvir as mesmas músicas todos os dias por horas e horas. É um desperdício exagerado de tempo. Minutos antes de dormi, lá para umas três da manhã, você para e pensa que de novo não fez nada o dia todo e que amanhã vai ser diferente, mas é sempre igual. Falta disposição, falta ânimo, é a perda dos movimentos do corpo, é o desfoco de pensamentos. É você aqui, vivendo com a cabeça em outro lugar. É só a vida seguindo e você ficando para trás, ou ate pior, é você parada e sem direção, vivendo de dias brancos. É um problema difícil de resolver. Você nem sabe o que fazer para se sentir melhor, afinal a culpa nem é sua. 
A culpa é do que você ainda guarda lá no fundo da gaveta.
Algo que ora esquece, ora lembra, mas nunca se desfaz. É a presença de alguém, que só está presente no seu passado, que te faz ficar parada vivendo momentos que já passaram e que nunca aconteceram. É um caso acabado para os outros e inacabado para você. É o uso incorreto das virgulas no lugar dos pontos finais.
É o tal do amor de gaveta.
Um amor que, se um dia realmente existiu, já não existe mais. Você o deixa guardadinho naquela gaveta cheia de fotos antigas que revelou em segredo, cartas que nunca enviou para o destinatário, rascunhos de versos mal interpretados. Sem saber, você o alimenta todos os dias. Ele se fortalece com a sua dor, agonia e negação. Ele vira um fantasma a te atormentar até nos sonhos mais tranquilos, no silêncio que te ronda, na raiva que te consome. Ele fez moradia na ilha que você criou para se isolar do mundo. Ele virou o desgosto que vive estampado no seu rosto. Ele não só preenche o seu vazio como o amplifica para que qualquer outro sentimento seja de um tamanho insuficiente para caber ou ocupar o espaço disponível.
O amor de gaveta muda de forma, de cor, de sentido, de idade, mas não morre e nem desaparece sem ajuda. Ele vira tudo que for possível para não virar fim. Simplesmente porque você não aceita o fim. Você suporta o choro excessivo e seco, a dor física e mental, a esperança e a desilusão porque tudo isso dói muito menos que o fim. A dor faz o amor ser real. E senti-la te vicia, te acomoda, te faz ainda se achar a protagonista da história quando os créditos finais já estão rolando há bastante tempo. Enquanto houver dor, nunca haverá fim. E de certa forma, isso te conforta. 
Sobre amores de gaveta: não guarde, jogue fora!
Ele está roubando a atenção do amor que virá a está em cima da mesa. E é para esse amor que você tem que dar prioridade. Nem todos os fins decretam, de fato, um final. Na maioria das vezes, o fim de um amor de gaveta é o começo de um amor novinho em folha e presente em cima da mesa.
Moça, não vire dor. Vire mansidão. 

Para ler ouvindo: Keira Knightley - Like A Fool

Por Ridrya Carolin

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