terça-feira, 21 de julho de 2015

Amor-Infinito


As ruas da cidade estavam agitadas. O barulho das buzinas dos carros, o show de luzes em volta, o vai e vem das pessoas saindo do trabalho e indo para casa. Era o fim de tarde de uma segunda-feira do mês de julho. A semana mal começara e o cansaço da rotina pesada já tinha caído sobre mim como uma tempestade que inunda um armazém de teto desgastado. Eu andava no meio da multidão na calçada da esquerda com as mãos no bolso do casaco, lutando contra a rajada de vento frio que vinha de encontro a meu rosto. Não tinha planos de sair, na verdade, ainda não tinha nem pensando no que jantar. Talvez comprasse algo no McDonald's antes de chegar no apartamento, talvez fizesse apenas um Cup Noodels enquanto acompanhava a novela. 
De fato, eu estava tão distraída e com os pensamentos tão distantes, que mal ouvi quando alguém me chamou.
- Ei, mocinha! - gritou um senhor idoso, dono da pequena banca de flores na calçada onde eu estava. Eu parei de repente e o encarei, surpresa. - Agrada-lhe essa flor? - ele perguntou, simplesmente, com uma pequena flor lilás na mão.
- Amor-perfeito? - eu supus, dando os ombros. 
- Sim! Sim! Gosta de flores?
- Não entendo muito, mas gosto. 
Aproximei-me da banca para dar melhor passagem as pessoas que me driblavam no meio do caminho com pressa. 
- Já que gosta, me diga o que acha dessa flor?
Ele se abaixou e retirou de uma caixa escondida debaixo de várias outras um arranjo de flores amarradas a uma fita. Mas não eram flores comuns. Seu formato era um tanto semelhante as tulipas, porém as cores variavam em infinitos tons numa mesma pétala. Nunca tinha visto nada igual antes, nem nas revistas ou na televisão. As delicadas pétalas pareciam ter sido banhadas num arco-íris, eram cintilantes e únicas. Olhando mais perto, pareciam abrigar um outro universo. Eu podia jurar que a galáxia estava estampada nas flores, brilhantes e misteriosas como as estrelas. 
- São lindas. - eu disse, encantada, sem desviar os olhos. - São tulipas?
- Oh, não! - o velho deu uma risada bondosa e olhou para as flores, acariciando as pétalas com total cuidado. - Essas flores são raras. Seu nome é Amor-Infinito. 
- Nunca ouvir falar. 
- Acredite, são extremamente raras, minha jovem. Diga-me, você acredita no amor infinito?
Eu me surpreendi com a pergunta.
- Não sei. - respondi, incerta. 
Nunca tinha parado para pensar nisso.
- Ora, vejamos. Quem é a pessoa que você mais ama no mundo inteiro?
De novo, eu me surpreendi. Aquele velho era, de fato, esquisito. E fazia perguntas mais esquisitas ainda. Eu tão pouco me importava com romances ou com os clichês sobre o amor. Nem sabia dizer se era possível amar alguém durante a vida inteira, quem dirá além da vida. No entanto, a pergunta me intrigou. O infinito era algo tão grande, misterioso e definitivo. Comecei a pensar nos mitos sobre o ''felizes para sempre'', no poder do ''amor verdadeiro'', na tal história sobre Alma Gêmeas. Será que todos nós temos mesmo alguém mundo a fora que de repente irá surgir em nossas vidas para completar aquele pedaço que falta? Para nos amar incondicionalmente? Amor esse tão forte, que atravessa vidas e engana a morte? E se temos mesmo uma Alma Gêmeas, ela já apareceu? Ela ainda irá chegar? Como saber quem é? E se for, o amor infinito é uma espécie diferente de amor? Amor é amor. Mesmo que seja entre aparentes, amigos ou amantes. Nenhum amor se mede ou se rotula. Creio eu que amar é algo tão simples que se torna extremamente complicado. Ás vezes podemos amar tanto sem nem ao menos notar o quanto amamos. Talvez o amor infinito seja esse amor tão tranquilo e comum, tão presente no dia dia, tão duradouro e bondoso, que nos toca todos os dias sem causar um impacto forte e arrasador como esperamos que seja durante a vida inteira. 
Entre tantas pessoas que já estiveram e ainda estavam presentes na minha vida, eu buscava por aquela que eu mais amava. Buscava por aquela que eu mais sentia falta, que eu não conseguia viver sem. A pessoa que se fazia presente na ausência, que era facilmente lembrada nas coisas mais simples, que era um sorriso de um doloroso choro e o sol de um dia nublado. A pessoa que eu mais amava talvez fosse a pessoa que mais me amasse. Era com quem eu compartilhava uma relação de amizade, de amor reciproco, puro e sincero, que ama por inteiro, cada insignificante e difícil pedaço. Se trata do amor que cuida mesmo distante, do amor que dura mesmo com o passar do tempo, do amor que vira tristeza só pra fazer companhia a tua dor, do amor que vira alegria pra te fazer feliz. A pessoa que eu mais amava talvez fosse aquela que em nada me completasse, e sim me complementasse.
Talvez o amor infinito seja um beijo antes de dormi, uma companhia no café da manhã, uma brincadeira sem graça, um passeio numa praça. Talvez seja algo tão necessário, que tão pouco é notado. Talvez seja dois corações que se reconhecem, se encaixam como um quebra-cabeça, se atraem como um imã. Talvez seja um abraço apertado, um colo pra chorar, um lugar seguro para fugir. Talvez seja horas desperdiçadas em conversas jogadas fora, uma amizade de anos, uma discussão de minutos. Talvez seja mais audível que o som da palavra ao se declarar e mais visível que um olhar penetrante.  
O amor infinito talvez seja tudo que ouvimos falar e nada daquilo que imaginamos.
Eu dei um pequeno sorriso. Depois de recapitular uma vida inteira, o amor da minha vida me vinha na cabeça em todas as lembranças. Sempre estava ali no cantinho, ás vezes escondida e calada, ás vezes num dia normal e chato, as vezes num dia agitado e inusitado, mas sempre estava ali de algum jeito. Ocorreu-me que alguns amores talvez fossem tão bonitos e tão verdadeiros, que se tornavam infinitos. Estavam além da compreensão lógica, além das superstições divinas. Estavam num passar de uma vida inteira e continuava ainda tão vivo e ardente mesmo depois da morte. Alguns amores são simplesmente infinitos. E alguns infinitos são simplesmente eternos. 
Olhei para o velho, que aguardava minha resposta com uma aparente ansiedade. 
- Minha mãe. - eu respondi, sentindo-me leve. - É a pessoa que eu mais amo no mundo inteiro.
O velho sorriu e disse:
- Então, ela é seu amor infinito! 
Eu assenti, tão certa quanto a luz da lua acima de minha cabeça.
- Leve as flores para ela, mocinha. - ele colocou o arranjo de flores em minha mão. - Os amores infinitos deveriam saber que são infinitos, não é mesmo?
Segurei com cuidado as flores e pus a mão dentro da bolsa para tirar a carteira, mas antes de conseguir pegá-la, o velho disse:
- Oh, não, por favor! É de graça. Amores-Infinitos são raros de se encontrar. Não estão a venda, pois não tem preço. 
Eu agradeci de todo o coração e segui meu caminho, levando em mãos o arranjo de flores mais belos que já existiu na terra. Enquanto olhava para o Amor-Infinito, eu sentia que, de fato, eu carregava em minhas mãos e em meu coração o infinito. 

Por Ridrya Carolin

sexta-feira, 27 de março de 2015

Amores de gaveta


Você chega em casa depois de mais um dia cansativo, entra no quarto e senta na beirada da cama. Fica ali naquela mesma posição por uns longos instantes, pensando em tantas coisas diferentes que não consegue se concentrar em apenas uma, observando o nada e os objetos em volta, escutando o grito das vozes que nunca se calam em meio a um silêncio aconchegante, encarando o vazio de frente. Tudo parece normal e desinteressante. É só a rotina, a monotonia e o tédio. São tantas coisas para fazer, livros para ler, episódios de seriados para atualizar, filmes novos em cartaz no cinema para ir com uma amiga, tantos assuntos chatos para estudar para as provas do mês que vem. Mas você não faz nada disso. Você simplesmente não faz nada há meses, nada além de ouvir as mesmas músicas todos os dias por horas e horas. É um desperdício exagerado de tempo. Minutos antes de dormi, lá para umas três da manhã, você para e pensa que de novo não fez nada o dia todo e que amanhã vai ser diferente, mas é sempre igual. Falta disposição, falta ânimo, é a perda dos movimentos do corpo, é o desfoco de pensamentos. É você aqui, vivendo com a cabeça em outro lugar. É só a vida seguindo e você ficando para trás, ou ate pior, é você parada e sem direção, vivendo de dias brancos. É um problema difícil de resolver. Você nem sabe o que fazer para se sentir melhor, afinal a culpa nem é sua. 
A culpa é do que você ainda guarda lá no fundo da gaveta.
Algo que ora esquece, ora lembra, mas nunca se desfaz. É a presença de alguém, que só está presente no seu passado, que te faz ficar parada vivendo momentos que já passaram e que nunca aconteceram. É um caso acabado para os outros e inacabado para você. É o uso incorreto das virgulas no lugar dos pontos finais.
É o tal do amor de gaveta.
Um amor que, se um dia realmente existiu, já não existe mais. Você o deixa guardadinho naquela gaveta cheia de fotos antigas que revelou em segredo, cartas que nunca enviou para o destinatário, rascunhos de versos mal interpretados. Sem saber, você o alimenta todos os dias. Ele se fortalece com a sua dor, agonia e negação. Ele vira um fantasma a te atormentar até nos sonhos mais tranquilos, no silêncio que te ronda, na raiva que te consome. Ele fez moradia na ilha que você criou para se isolar do mundo. Ele virou o desgosto que vive estampado no seu rosto. Ele não só preenche o seu vazio como o amplifica para que qualquer outro sentimento seja de um tamanho insuficiente para caber ou ocupar o espaço disponível.
O amor de gaveta muda de forma, de cor, de sentido, de idade, mas não morre e nem desaparece sem ajuda. Ele vira tudo que for possível para não virar fim. Simplesmente porque você não aceita o fim. Você suporta o choro excessivo e seco, a dor física e mental, a esperança e a desilusão porque tudo isso dói muito menos que o fim. A dor faz o amor ser real. E senti-la te vicia, te acomoda, te faz ainda se achar a protagonista da história quando os créditos finais já estão rolando há bastante tempo. Enquanto houver dor, nunca haverá fim. E de certa forma, isso te conforta. 
Sobre amores de gaveta: não guarde, jogue fora!
Ele está roubando a atenção do amor que virá a está em cima da mesa. E é para esse amor que você tem que dar prioridade. Nem todos os fins decretam, de fato, um final. Na maioria das vezes, o fim de um amor de gaveta é o começo de um amor novinho em folha e presente em cima da mesa.
Moça, não vire dor. Vire mansidão. 

Para ler ouvindo: Keira Knightley - Like A Fool

Por Ridrya Carolin

domingo, 8 de março de 2015

O reencontro


Eles ainda vão se reencontrar. Pode ser por um encontro marcado, uma coincidência, obra do destino ou apenas o acaso. Eles vão se olhar com o mesmo carinho de antes e sorrir um para o outro para disfarçar o nervosismo. O silêncio vai prevalecer nos primeiros instantes, algo tão incomum para duas pessoas que já compartilharam algo tão íntimo. Ele, com seu jeito descontraído e falante, vai ser o primeiro a puxar conversa. Ela, com seu jeito tímido e gentil, vai responder tudo da forma mais sincera possível.
O tempo havia passado, a vida mudado de tantas maneiras imprevisíveis, mas eles ainda se conheciam pelo olhar. Ele ainda era altruísta e brincalhão, um moço de sorriso fácil, de papo maleável, coração ingênuo e cheio de arrependimentos. Ela continuava aquela moça fechada, de poucos amigos, uma romântica já tão machucada e uma sonhadora desencantada com a realidade que vivera, mas ainda sim, ela era viva, dona de um coração forte e cheio de esperanças.
Nenhum dos dois conseguia se lembrar do exato momento em que o caso deles acabou. E acabara sem nem ao menos começar. Não sabia se a culpa fora das escolhas dele, dos medos dela, da distância que se pôs entre os dois, das fofocas alheias, das reviravoltas do mundo ou dos vários desencontros da vida. Talvez o culpado fosse ele, que se deixou ser influenciado pelos amigos e não abriu mão da vida idealizada de solteiro. Talvez a culpa fosse dela, que se envenenou com o próprio orgulho e não foi atrás dele. Talvez a culpa fosse dos dois, que calaram os sentimentos dentro do peito e adotaram uma postura oposta, ao que de fato queriam, na frente um do outro e na dos demais. 
Mas, agora, parados num canto da festa conversando, qualquer um podia ver a conexão entre eles. O brilho nos olhos dele, a felicidade no rosto dela. Eles se amavam, mas ninguém, nem mesmo eles, acreditavam que poderia dá certo. Talvez pelas atitudes dele, talvez pela indiferença dela, talvez pelo rancor dos dois. Ela queria ser amada, ele queria ama-la. Ela queria uma atitude dele, ele queria uma garantia dela. Ela teria voltado, se ele tivesse pedido. Ele teria escolhido ela, se ela tivesse perguntado. Eles estariam juntos, se não fosse pelo silêncio. 
Eles são mais que amigos e muito menos que namorados. Para alguns são meros ficantes; para outros são quase amantes. Eles pensam diferente, mas agem igual. Eles se respeitam, mas não se compreendem. Eles são loucos um pelo outro, mas desistem na primeira discussão que vem a tona. Eles se calam um para o outro, mas dão ouvidos as opiniões de terceiros. Ela se lembra dele ao ver na prateleira um livro de autoajuda; ele se lembra dela quando ler poesia. Ela pensa nele ouvindo uma moda sertaneja; ele pensa nela ouvindo MPB. Ela olha a vista da cidade grande pela sacada se perguntando se ele está feliz; ele para o carro numa praça abandonada da cidade pequena se perguntando se ela conseguiu realizar tudo que queria. 
E assim eles vão levando a vida. Pensando cada vez menos um no outro a cada dia, mas sentindo cada vez mais saudade do que não viveram a cada noite. Eles ainda são cheios de vontade, cheios de necessidade, de desejo e saudade. Ela ainda enlouquece com o timbre sedutor da voz dele; ele ainda entra em delírio com a mordida de lábios dela. Eles ainda se atraem pelo cheiro, pelo contato da pele, pelo ar ofegante, pelo grito de satisfação, pela exigência de um depois. 
Vai ser num dia simples, numa festa na casa dos vizinhos, numa reunião de velhos amigos, num churrasco no sábado a tarde. Ele vai chegar antes de todo mundo para cuidar da organização e ela vai chegar atrasada graças ao seu falho senso de hora. Ele vai enxergá-la logo do portão e ela vai demorar um pouco para vê-lo entre a multidão. Ele vai dizer oi para uma velha amiga e ela vai abraça-lo como se nada tivesse mudado. E no breve momento em que tudo que os envolve for recíproco, vai ficar evidente que, aquela velha chama que ficara adormecida, nos olhos um do outro se reacendia. Sempre estivera viva. Sempre se pertenceram.
Mas quando se trata deles não existem certezas, possibilidades, expectativas ou futuro. Quando se trata deles o que tiver de ser, será.

Por Ridrya Carolin 

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Fácil demais


As vezes me deparo com o número de vezes em que fui rotulada e aceitei calada achando que o problema era exclusivamente eu. 
Falam por aí que sou uma moça quieta, fechada, parada num cantinho, isolada em seu mundinho. Falam que eu sou séria, que pareço enfurecida quase o tempo inteiro e quem não me conhece me acha antipática. Criticam o meu jeito reservado e me aconselham a sair mais de casa, dar uma volta na calçada, ver as coisas que acontecem na rua quando o céu escurece e o mundo acorda. Me falaram que tem pessoas lá fora que eu deveria conhecer, lugares que eu deveria ir, rostos diferentes para me maravilhar e luzes que ora se acedem para me esconder ora se apagam para me revelar. 
Falam que o amor nunca vai me encontrar. Eu assusto os caras com a minha conversa de meias palavras, com meus olhos escuros observando os detalhes de baixo a cima e com meu sorriso que de primeira nunca se mostra. Falam que eu não facilito uma entrada justa nos meus pensamentos, que não aceito convite de estranhos e que minha casa está há tempos trancada para visitantes. Tudo que diz respeito a mim é vago, meu nome é um assunto pouco comentado e minhas aparições são um mistério no meio da multidão. Eu sou um livro grosso traduzido em um idioma desconhecido. São poucos que tem disposição para me ler e raros os que tem capacidade de me entender. A maioria só me deixa jogada em cima da mesa ou nem ao menos me tira da prateleira.
Mas do meu silêncio vem a curiosidade daqueles me olham quando podem me ver. 
Eu ouvir por aí que os meninos não sabem o que dizer perto de mim. Quando eles tentam chegar no espaço que não deixei para ninguém reservado ficam tempo o suficiente para desistir. É mais fácil investir na menina de saia curta. Ela sim vai dar uma chance sem que eles precisem insistir numa aproximação mais genuína e íntima. 
Esse é o meu problema, eu recuso as investidas e ignoro os sinais que vêm fundo dos olhares cheios de segundas intenções. Falam por aí que eu sou boba, vivo fugindo das coisas, mantenho distância das outras pessoas. Falam que meu coração é gélido demais para qualquer emoção, é medroso demais para se aventurar, é amargo demais para deixar alguém entrar. Falam que eu sou difícil. Eu escolho demais ou, até pior, não escolho e nem procuro. Eu vivo só dos momentos que idealizo ou das palavras que escrevo enquanto vivo. 
Eu sou a tal da garota que banca a difícil. 
Mas o que eles não sabem é que eu banco a difícil porque, na verdade, sou fácil demais. Fácil de se ter, de se conquistar, de se apaixonar. Eu me encanto com pequenos gestos, eu valorizo os pequenos detalhes, eu sei decifrar teus olhares. Eu me preocupo com coisas simples, me importo com coisas inúteis, me machuco diretamente com tudo que te afaste de mim. Eu reparo em tudo que acontece, lembro de tudo que passamos juntos, guardo o formato do teu sorriso na cabeça para passar horas pensando nele enquanto ouço Clarice Falcão nos fones de ouvido. Eu tenho a necessidade de te cuidar, vontade interminável de te beijar, desejo extremo de morar no teu abraço. Eu não sei reprimir o que sinto, não sei ignorar tua presença, não sei recusar o teu chamado. Eu sou teimosa, quando quero algo eu insisto até conseguir mesmo que não valha a pena. Eu sou orgulhosa, mas relevo o que você me faz de mal porque no geral você me faz bem. Eu sou uma menina que quer cuidados e atenção; e eu sou uma mulher que quer respeito e consideração. Não sei me entregar pela metade, sou oito ou oitenta, brisa ou furacão, alvoreço ou escureço, seco ou chovo. 
Sou fácil demais de amar.
Esse é o segredo do meu coração que as vezes se entrega, as vezes se renega, mas quase sempre se esconde. 

Por Ridrya Carolin

sábado, 14 de fevereiro de 2015

A moça e a garotinha



Com as mãos trêmulas e lágrimas nos olhos, peguei o porta-retrato na estante a minha frente e encarei o rosto da garotinha que nele sorria. Ela parecia absurdamente feliz, leve, despreocupada e livre. Ela era livre de qualquer prisão, tortura e medo. 
''Eu quero ser você de novo'' supliquei, sendo levada pelo desespero da minha voz. 
Diferente das circunstâncias passadas, eu não queria a infância da garotinha. Eu queria ser a garotinha. Ela era corajosa, determinada e independente. Tudo que eu não sou mais. Ela podia até ter seus medos, mas não dava a eles força para prende-la dentro de casa. Ela não acatava ordens, não reprimia suas vontades, não se acomodava. Ela jamais esqueceria sua vida para viver outra, não se tornaria antagonista da sua própria história, não faria tanto sacrifício para algo que, no fundo, nem quer.
Eu me lembro do dia em que a garotinha terminou de ler Alice no país das Maravilhas. Ela ficou tão maravilhada com a história, com os personagens, com a escrita e a fantasia que cercava as palavra que decidiu que dali em diante leria cada vez mais livros na esperança de se sentir saciada de novo. E assim fez, até o dia em que só ler já não era o bastante. Ela queria suas histórias, imagens e pensamentos no papel. Ela queria ler suas palavras. 
A pobre garotinha estava enlouquecida. Queria escrever o tempo todo, em todo lugar, sobre qualquer assunto que viesse na cabeça. Então descobriu que queria ser escritora. Viveria para escrever. Não conseguia se imaginar fazendo outra coisa. 
Embora ela soubesse o que queria e tivesse certeza do que amava, quando o futuro chegou ninguém perguntou á ela o que de fato queria da vida. Deram-lhe apenas duas opções. ''Pronto. Escolha.'' foi o que ele disse. Mas não havia escolha a ser feita. Não havia nada além de limitações. 
A garotinha que antes tinha o mundo aos seus pés, passou a viver num mundo limitado. Um certo dia ela morreu e eu nasci. Ela desapareceu e eu surgi. Ela se transformou em mim: uma moça reprimida e sem vontade própria. Uma moça que se acovardou diante do medo e escondeu tudo que amava dentro de uma caixa debaixo da cama.
Se a garotinha pudesse ver a moça que hoje se tornou, sentira vergonha, raiva e pena.
''Essa não sou eu'' ela gritou para mim certa vez. ''Socorro! Roubaram minha vida''. 

Por Ridrya Carolin

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O meu eu de hoje



Já não me reprimo mais
Hoje
Quando quero dizer, eu digo
Quando quero ir, eu vou
Quando quero ouvir, eu ouço
Quando quero ser, eu sou
Quando não quero sofrer, eu luto
Quando não quero amar, não fujo
Já não me escondo mais
Hoje 
Quando amo, eu amo
Diante de tanto apego pelo desamor
E de tanto medo de ser só
Já não me condeno mais
Feio é quando amar, dizer não
É amar sem querer amar
Diante de tanto medo e devassidão
Feio é se reprimir
Feio é se esconder
Feio é se condenar
Feio é não amar.


Por Ridrya Carolin

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A única


Cansa, sabia? Cansa ser a única. 
A única que olha com os olhos cheios de ternura, que sorri com uma alegria contagiante no rosto, que passa a mão acariciando seu ombro enquanto você dirige. Cansa ser a única que não consegue te esquecer nem por segundo, que anda pelas ruas e do nada lembra da cor dos seus olhos, que sonha dormindo ou acordada com a luz do seu sorriso. A única que vai dormir pensando se você ainda está mexendo no celular e acorda querendo saber se você também já acordou. A única que se preocupa com as suas crises hipocondríacas, que fica se perguntando se aquela gripe já sarou ou aquela dor no peito já passou. Cansa tentar em vão te banir da minha cabeça. Te difamar para aquela amiga mais próxima e ainda sim não conseguir me convencer de cada palavra bem entonada. Ouvir aquela música idiota que toca toda hora na rádio e imaginar os pequenos detalhes de nós dois. Cansa não querer ser tão fácil, não conseguir te dizer um não, não saber ser indiferente, não dar as costas e te ignorar. Cansa te olhar nos olhos e sorri automaticamente, segurar sua mão e entrelaçar nossos dedos, brincar com o seu cabelo e continuar afagando fio por fio. Cansa ser a única a perder o controle, a não conseguir se segurar. A única que sente saudades na maior parte do tempo, que quer te ver toda hora, que tem ciumes de qualquer outra garota que chame sua atenção, que tem um medo incontrolável de te perder. A única que demonstra gostar, que expõem cada sentimento inesperado, que faz do seu nome a palava mais bonita a ser dita. A única que admite, que se surpreende, que valoriza, que se sente a garota mais sortuda do mundo ao seu lado. A única que te quer por perto até quando me faz chorar, que pede desculpas depois de uma briga infantil, que te beija e implora sempre por mais. A única que se entrega por inteiro e não pede nada em troca. 
Cansa ser a única que ama.
Mas o que me cansa ainda mais é não ser a única. 
Não ser a única que acordar com uma mensagem sua de bom dia. Cansa não ser a única que é amiga dos seus amigos, que é introduzida no seu ambiente particular, que conhece a sua família. Não ser a única que recebe seus carinhos, que se acomoda nos seus braços, que senta no seu colo, que recebe um elogio e se irrita com uma brincadeira boba. Não ser a única que você vai buscar em casa, que senta do seu lado no carro e canta com você uma música que gostamos. Cansa não ser a única que você implica, briga, se distancia e depois volta. Não ser a única que você vai atrás, que te desperta ansiedade e medo, que te provoca vontade de se arriscar e fazer pouco do perigo. Não ser a única que você bagunça o cabelo, aperta os ombros, que prende por trás para fazer surpresa, que dar um abraço apertado nos momentos mais inesperados, que dar uma beijo longo e apaixonado antes da despedida. Cansa não ser a única a deitar ao seu lado e dominar todo espaço dos seus olhos, a ouvir sua voz sussurrando coisas intimas no ouvido, a te fazer cosquinha na barriga e morder seu pescoço. Cansa não ser a única que você tem saudades, que você gosta, que você quer sempre por perto. Cansa tanto não ser a única a ter sua atenção, seu coração, seus pensamentos. 
Cansa não ser a única que você ama. 

Por Ridrya Carolin 

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Dito Cujo



É um jogo tão injusto insistir no tal do Dito Cujo.
Ele continua sorrindo, olhando e desviando, mas nunca transparece as coisas que por dentro acontecem. Ele convence tão facilmente de que nada ver, nada sabe, nada sente.
Numa hora ele é alguém. Alguém que vira meu mundo de ponta cabeça, que me faz perder a noção do tempo, que me faz esquecer o antes e parar de questionar o depois.
Na outra hora não é ninguém. Ninguém que valha meu tempo, meus pensamentos, essas falas desperdiçadas, essas pretensões idiotas, inúteis e invisíveis a olho nu. 
Quem é ele? E o que quer e planeja? Faço-me frequentemente tantas perguntas que fiz do rosto dele uma incógnita a assombrar minhas certezas, crenças e vontades mais inusitadas.
São duas pessoas fundidas em uma só. Tem o cara dos olhos claros, sorriso simpático, voz leve e serena. Atencioso, descontraído e extremamente carinhoso. Ele é o cara que me faz querer continuar a descobrir outros conceitos e ficar movendo as peças desse tabuleiro de outro jeito.
E tem o Dito Cujo. A versão mal feita do cara que eu gostava. Ele me engana, mente sem culpa, dá em cima da minha amiga na minha frente e depois me trata como quarta opção ou até mesmo me esquece no banco do carona. 
Eu sou apenas a coadjuvante na sua história? Aquela que aparece para te distrair enquanto a atriz principal está perdida por ai? 
Eu disse que não era ingênua e nem mal informada, mas ele consegue fazer de mim uma boba sem malícia das coisas que acontecem quando ele apaga a luz e entorpece. 
O Dito Cujo numa hora vai, na outra volta. No sábado me esquece, na segunda me adora. De manhã conversa o dia inteiro, de noite desaparece. No começo costumava me chamar de moça da qual gostava, agora malmente me olha. 
O Dito Cujo é alter-ego dele que destrói em mim partes entrelaçadas de nós dois.
E eu continuo parada. Apenas esperando para dar o próximo passo e na minha frente só tem abismo. Restam-me duas opções: continuar contornando as beiradas de uma relação já condenada ou me atirar de vez, antes que eu me esqueça e tudo sobre mim desapareça. 
Quando tudo acabar, o Dito Cujo vai lembrar da menina que se atirou em queda livre para ser livre de toda essa droga.
Ele não irá mais vê-la como antes, ela já não tem os mesmos olhos.
Não irá mais entender seu sorriso, ela mudou de contexto e fórmula.
Não irá mais reconhecer sua voz, ela mudou de língua e entonação.
Ele irá querer a sua versão de antes, mas ela apenas sabe ser seu alter-ego.
É injusto continuar brincando de ser um tipo de Dito Cujo, mas é viciante ser uma nova versão tão desentrelaçada da minha versão passada.
O que me ensinam, eu aprendo. Eu gravo, incorporo, aprimoro. E o que para os outros é relativo, para mim é sempre permanente. 

Por Ridrya Carolin