sexta-feira, 1 de julho de 2016

O quebra-mola


Eu já sabia o que ele ia falar no instante em que descemos a esquina e as grades de ferro desgastadas do portão da minha casa ficaram a vista. Ele iria contar a velha história de quando caiu de bicicleta no quebra-mola da rua em frente de casa. 
E, de fato, eu não errei. 
Lá estava ele contando aquela história e lá estava eu ouvindo-a como se já não a conhecesse. 
No final, eu sempre dizia ''É, eu sei. Você já me contou.'' e revirava os olhos de saco cheio. Então, ele se tornava um grosso arrogante e eu uma chata rabugenta. E, de repente, de novo, estávamos brigando, porque era isso que sempre fazíamos. 
Não brigávamos apenas duas vezes na semana, brigávamos todo dia. Por tudo e por todos. Pelos amiguinhos idiotas dele que eu não suportava, pela sua falação inconveniente bem na hora mais importante do filme, pelas garotas exibidas que ele ficou antes de mim, pelo tanto que eu extrapolava na bebida nas festas, pelo meu vestido preferido (que era "curto demais" dizia ele), pelo corte horroroso que ele fazia no cabelo de três em três meses e por endeusar a droga daquele carro velho que ele dirigia pra cima e pra baixo pela cidade.
Era um hábito repulsivo. 
Dois namorados brigando no meio da rua por um motivo imbecil. 
Algo comum, típico, clichê. Algo que nos cansava, nos afastava e aos poucos nos separava. 
Éramos o que estávamos nos tornando. Tão cheios de si e tão vazios um do outro. 
Um mês depois terminamos. Não dava mais para mim e ele já não tentava mais. Eu fui embora e ele não pediu para eu ficar. Eu sai da vida dele e ele não me puxou de volta. Eu decretei o fim e ele simplesmente o aceitou. 
Eu sabia que estávamos no fim, mas, na verdade, eu sentia como se de novo estivéssemos no começo. Bem antes de tudo, bem antes de "nós", pois no fim voltamos ao nada porque cansamos de tudo.
Não éramos mais os mesmos ou talvez não queríamos mais ser. Não éramos mais aquele casal que deu seu primeiro beijo na noite de Ano Novo, a exatamente uma da manhã. Você não era mais o cara que vinha todas as sextas depois da faculdade na minha casa e que ficava conversando comigo até as seis da manhã no banquinho da calçada com cobertas por causa do frio. Eu não era mais a garota que você ficou por sete meses na frente de casa naquele banquinho duro e frio e que você namorou por mais sete meses. 
Éramos o que havíamos nos tornado. Tão cheios de um outro e tão vazios de si. 
No sábado a noite, eu voltei sozinha da festa caminhando pelas ruas escuras e silenciosas da cidade. Desci a esquina de casa e lá estava ele, o velho quebra-mola. Mas desta vez, você não estava comigo para me contar aquela história imbecil. 
Então, eu chorei. 
Chorei porque eu precisava que você viesse contá-la para mim. Chorei porque senti saudades de tudo e porque agora não éramos nada. Chorei porque eu queria brigar, mas não com qualquer um ou por qualquer motivo. Eu queria brigar com você por causa da merda daquele quebra-mola. 
E como se já não bastasse o choro, as três doses de tequila latejando na minha cabeça e o frio desnecessário do mês de junho, um carro entrou na rua deserta e parou logo atrás de mim.
Droga. Eu conhecia muito bem aquele Celta preto com um pequeno amassado no capô da frente. 
Ele desligou a luz alta e fez sinal para eu entrar no carro.
E eu fui. 
Depois de quatro meses separados, inúmeras provocações, vários desentendimentos ( e alguns PTs em festas), estávamos ali voltando de novo um para o outro.
Éramos apenas o que sempre fomos, um do outro. 
Mas a gente é assim mesmo. Ás vezes um triângulo, com alguém no meio sempre nos separando. Ás vezes um quadrado, brigamos e vai cada um para o seu lado. E sempre um círculo, dando voltas e voltas, de começos a recomeços, mas nunca chegando no fim. 
Antes de parar na frente da minha casa, o carro deu um solavanco ao passar pelo quebra-mola no meio da rua. Nós dois rimos e ele me olhou de um jeito que eu conhecia muito bem e que me fez ter certeza do que estava por vir.
E, de fato, eu estava certa. 
Ele falou logo depois "Eu já cai de bicicleta nesse quebra-mola uma vez''.

Por Ridrya Carolin 

Para ler ouvindo: Fire meet gasoline - Sia

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