domingo, 7 de agosto de 2016

Não deixe qualquer um entrar


Não, de jeito nenhum. 
Qualquer um menos esse!
Olha só pra ele: sorriso lindo, olhos castanhos, jeito de menino, aparência de homem. 
Tá bom. 
Dá mais uma olhada: bom de lábia, mãos rápidas, desculpas decoradas, beijou cinco na balada, todo desapegado, não quer nada com nada. 
Lindo, mas cafajeste. Divertido, mas mentiroso. Fala como príncipe, mas não passa de um Lobo Mau assumido. 
Ok. Isso tudo eu e minha cabeça já sabemos e já o reprovamos logo de cara. Agora vai contar para o coração, que enxerga não sei com o que, mas com certeza não é com os olhos e muito menos com o bom senso. De tudo que eu descrevi, o coração apenas viu aquilo que ele quis e pronto. Deletou todo o resto.
Que fácil você, hein. Bastou uma palavra bonita aqui e outra ali, um beijo lento e ardente, um segurar de mãos delicado e firme, uma troca de olhares demorada e cheia de intenções que já gamou no cara errado. 
O pior de tudo é você saber que o cara é errado. E o cara nem disfarça, já vem escrito na testa "Vou te fazer sofrer, gata". E mesmo assim você não controla as borboletas no estômago, o arrepio na pele, a tremedeira nas pernas e o nervosismo que o coração tá espancando no peito. 
Você e sua cabeça estão de acordo, uma do lado da outra, jogando no mesmo time. O problema de tudo é o coração. Ele não tá nem aí pra você, pro que você sabe e acha. Ele só se importa com o que ele sente. Ele vira teu pior inimigo se você tentar impedi-lo, mas não te dá ouvidos. 
E, mais uma vez, lá estava o coração fazendo merda. Lá estava ele achando que sabe de tudo, se sentindo o dono da razão, certo de que está no controle da situação. 
Lá estava o coração sonhando acordado e me arrastando para dentro de mais um pesadelo.
Um rápido conselho: não caia nessa história de avó de "segue seu coração" ou "escute sempre o coração" que é tudo furada. O coração não sabe de nada. É pior do que criança, não pode deixa-lo sozinho por alguns instantes que já apronta uma.  
Sei lá.
Eu só queria que meu coração fosse um pouco mais difícil e um pouco menos entregue. Fizesse um pouco mais de charme e um pouco menos de gracinha. Forçasse um pouco mais a barra e se deixasse levar um pouco menos. Fosse um pouco mais teimoso e um pouco menos tolerante. Fosse um pouco mais seletivo e um pouco menos compreensivo. Fosse um pouco mais racional e um pouco menos sentimental.
Eu só queria que meu coração me quisesse um pouco mais e um pouco menos você. 
Mas o danado do coração não perde tempo. Já pintou as paredes de cor castanho-dos-teus-olhos, já aparou os medos no quintal, já colocou as expectativas no forno e espanou o morfo passado de cima do presente. Já preparou tudo para tua visita como se já soubesse da tua chegada. Ele já se renovou todo, está novinho em folha. 
Agora, ele só te espera. Agora, ele só quer te abrigar, te cuidar, te refugiar. Agora, ele quer ser a tua casa. 
De muito bom grado, ele fez de tudo para deixar o lugar do teu agrado. Com muito bom gosto, ele decorou todo lugar seguindo o manual dos teus gostos. E cheio de esperança, ele se vestiu de você pra ver se você o notava. 
O coração esperou, esperou e esperou mais um pouco. Mas você não veio, nunca apareceu. Não deu nenhuma satisfação, não fez nenhuma ligação, não deixou nenhum recado. E como já era tarde, ele apagou as luzes, trancou a portar e foi deitar. 
Acho que o coração só queria te agradar, te impressionar, chamar tua atenção. Só queria que você gostasse dele ou ao menos lhe desse uma chance. 
Agora, ele tá aqui sozinho no meio da sala esparramado no chão, olhando todo o esforço em volta e entristecido por ter sido em vão. 
Moça, abre o coração somente para quem queira mesmo entrar. Somente para quem mereça ver como é a decoração de dentro, como são os cômodos de cada parte da tua essência, como guarda cada lembrança revelada nos porta-retratos em cima da estante, como esconde cada segredo dentro de um bau lá no sótão. 
Teu coração é abrigo, é refúgio, é lar, é mar, é planeta, é universo, é imensidão, é família, é amigo, é companheiro, é casa.
Moça, teu coração é um bom lugar. Não deixe qualquer um entrar.

Para ler ouvindo: Clarice Falcão - Qualquer Negócio

Por Ridrya Carolin

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